Um ensaio não científico sobre a infância, porém amoroso.


Inauguro a coluna dedica à família, com um texto costurado pelas crianças. 

Em minha pesquisa de mestrado em psicologia psicossomática, precisei entrevistar pais e responsáveis por crianças na primeira infância, fase de vida entre 0 e 6 anos, alicerce para o desenrolar do desenvolvimento integral, do sensorial ao cognitivo. Precisei compreender o que os pais pensam ou entendem sobre alguns temas, entre eles A CRIANÇA.

Definir um conceito não é tarefa fácil, sabemos o que é, mas na hora de organizar o discurso, muitas vezes não sai, mas quando somos convidados a relaxar, sem ter que acertar ou errar, de forma espontânea, o texto vem. Foi com muita gratidão e respeito que ouvi cada um, atentamente, sem julgamento.

A segunda rodada de entrevistas aconteceu perto do dia das crianças e me veio um desejo de perguntar aos pequenos como definiam “criança”. Completei a entrevista com mais algumas perguntas e anotei as respostas num caderno pequeno, bem bonito, com cara de importante, mas com pássaros coloridos. 
A primeira observação que fiz é sobre como se sentiram importantes! Todos colaboraram, respondendo espontaneamente a cada pergunta que descrevo abaixo. Foram feitas quatro perguntas a dez crianças de idades entre 4 e 10 anos. As perguntas foram:

1.       O que é criança? ;
2.       O que criança gosta? ;
3.       O que criança não gosta?
4.       O que não é criança? .

Segue, na íntegra as respostas, respeitando a linguagem de cada um:

“Criança é brinquedo. Criança gosta de sair com os pais, ir na fono e jogar vídeo game e não gosta de ser adolescente. Criança não é adolescente.” B, 9 anos.

“Criança é criança. Criança gosta de brincar, de dormir, ver boneco e passear e não gosta de fruta. Criança não é adulto.” P, 4 anos.

“Criança é criança. Criança gosta de chocolate, uva, feijão, gênio da lâmpada, de pique esconde, pique parede e não gosta de abacaxi. Criança não é adulto.”G, 5 anos.

“Criança é um ser humano. Criança gosta de brincar e de fazer bagunça e não gosta de dormir. Criança não é enfermeiro”. H, 5 anos.

“Criança é criança. Criança gosta de brincar e se divertir e não gosta de comer feijão. Criança não é adolescente”. J, 10 anos.

“Criança é feliz! Criança gosta de brincar e não gosta de comer obrigada. Criança não é adolescente.” M, 10 anos.

“Criança é brincar! Criança gosta de batata frita, de dormir e brincar e não gosta de alface e legumes e também de estudar. Criança não é adulto.” M, 9 anos.

“Criança é adolescente. Gosta de brincar no recreio na escola e em casa fazer bagunça e destruir o mundo! Criança não gosta de fazer coisa chata, tipo pintar o tempo todo. Criança não é bagunceira, nem folgada, nem chata. “G, 6 anos.

“Criança é brinquedo, tipo um ursinho de pelúcia. Criança gosta de brincar com o que mais gosta e não gosta de trabalhar. Criança não é empregado”. R, 8 anos.

“Criança é alguém que cresce aprendendo e brincando. Criança gosta de brincar, não gosta de estudar. Criança não é maldosa”. M, 9 anos.

Comecei minha “análise” pelo que não é criança. Chamou-me atenção e considero um recado aos adultos. 

Não supreendentemente, 60 % da minha doce amostra protestou: “Não somos adultos, muito menos adolescentes!”. Seria um mal estar nos pequenos? E se for, de que ordem? Consigo imaginar, diante de tanta cobrança, agendas lotadas, compromissos diários, o que elas anseiam em contar: “Somos crianças, nos deixem brincar!”, a resposta está na primeira  pergunta. Está lá, para todos sentirem. A amostra é pequena, mas a estatística não mente: criança é criança, é brinquedo, é brincar, é ser feliz, é um ser humano que cresce aprendendo e brincando. 

Mas espera...um pequeno, de 6 anos, define criança como adolescente. Será que os limites de amadurecimento estão confusos para esse pequeno, que se acha, talvez, um rapaz? Essa é um questão que merece investigação. Bom, mais isso é outra história.

Outros 30%, responderam algo ligado a características, como folgado, chato, bagunceiro e maldoso. Fica a dúvida, porquê? Teria que contar a história pessoal de cada um para contextualizar as repostas, mas não vem ao caso, mas a fala de uma criança é impregnada de simbolismos! 

Escutemos nossas crianças!


Comentários

  1. Quanta sensibilidade e delicadeza na sua escuta. Acredito que as crianças muitas vezes só desejam isso, serem escutadas. Você fez isso com maestria.
    Parabéns pelo excelente texto e reflexões.

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